reportagem publicada na revista CAPRICHO, escrita por Eliane Quinalia
Tamires, Marco, Jaqueline, Ramon, Rafael e Carolina têm duas coisas em comum. A primeira é que seus pais gostam de pessoas do mesmo sexo. A segunda é que eles encaram isso numa boa.
"Senti uma raiva incontrolável"
Marco, 15 anos, Formiga (MG)
"Meu pai sempre saía com o vizinho para jogar baralho. Um dia resolvi segui-los. Vi que eles andaram até uma casinha em um terreno abandonado e fui espiar. Para minha surpresa, quando me aproximei, vi meu pai nu e o vizinho beijando-o. Fiquei muito confuso. Corri para casa e me tranquei no quarto.
Perguntei para minha mãe se um homem podia beijar outro, mas ela respondeu que isso era comum e se chamava homossexualismo. Eu tinha 13 anos e só então fui entender o que era um gay. Minha vida parou. Mais tarde, meu pai tentou me explicar que era normal gostar de outro homem. Senti uma raiva incontrolável, não gostava da idéia de ter um pai gay. Três meses depois, ele foi morar em outra cidade com o rapaz. Não guardo mágoas, mas sinto a falta de um pai. Hoje conversamos menos, mas nos damos bem."
"Ela nos chamou na sala e apresentou sua namorada"
Rafael, 18 anos, Sorocaba (SP)
"Em um sábado, estava jogando videogame com meu irmão caçula quando minha mãe e uma amiga nos chamaram para ir à sala. Ela nos contou que estava apaixonada pela amiga, a Celina. Disse que se amavam e perguntou nossa opinião: ela podia morar conosco. Abracei ela e disse que, se ela estava feliz, nada importava. Meu irmão, na época com 6 anos, comentou que gostaria de levar as alianças se elas casassem. Eu, com 11, não fiquei confuso, pois meus pais sempre tiveram amigos homossexuais e isso já era uma realidade em nossa vida. Ela ter contado só contribuiu para aumentar nossa afinidade. Hoje minha mãe é meu porto seguro, e a confiança que deposito nela se deve a essa relação de honestidade."
"Só quando meu irmão perguntou, meu pai assumiu"
Carolina, 20 anos, Porto Alegre (RS)
"Um dia, meu irmão levou a namorada na quitinete do meu pai, que estava separado há 4 anos. Quando abriu a porta, viu um homem dormindo na cama. Saiu sem fazer barulho. Em casa, me contou o que tinha visto. Na época, eu tinha 17 anos e me lembro de dizer: 'Bom, só falta ele assumir'.
Meses depois, vimos um rapaz com a bandeira gay. Aproveitei a ocasião: 'Pai, homem que gosta de homem é gay?' Ele confirmou e meu irmão perguntou: 'E tu, pai, é gay?' Ele assumiu. Mais tarde, demos nosso apoio.Nossa relação continua a mesma, até saímos juntos para a noite gay. A única exigência é que ele nunca beije outro homem na nossa frente."
"Ajudei minha mãe a arrumar uma namorada"
Jaqueline , 18 anos, Santo André (SP)
"Um dia, minha mãe estava triste e não parava de chorar. Alguns amigos apareceram em casa para consolá-la. Foi impossível não ouvir o que falavam: minha mãe tinha descoberto que a companheira a traiu após 13 anos juntas.
No dia seguinte, no caminho para a escola, eu disse: 'Mãe, não fica triste, não. Ela volta. É só briga de rotina'. Ela ficou boquiaberta, não imaginava que eu soubesse, apesar de eu já ter 15 anos. Então me abraçou e perguntou por que não falei antes. Expliquei que estava esperando ela contar. Não me importava: se ela estava feliz, tudo bem, não deixaria de ser minha mãe. Depois disso, a ensinei a usar a internet para encontrar alguém. E deu certo! Hoje somos uma família normal, ou melhor, diferente: eu, minha mãe e minha segunda mãe - uma gaúcha trilegal."
"Às vezes as piadas machucam, mas não me sinto humilhada"
Tamires, 19 anos, Salvador (BA)
"Um dia meu pai foi me visitar no colégio. Quando ele foi embora, todos meus amigos riam e diziam: 'Tamires, teu pai é gay! Olha só como ele fala'. Confesso que até aquele momento, nunca tinha percebido nada.
Um ano depois, fui morar com ele. Meu pai era separado e dividia a casa com outro rapaz. Não apenas a casa, mas a cama também. Eu sempre quis acreditar que meu pai estava apenas ajudando um amigo, mas nunca tive coragem de perguntar. Passado mais um ano, encontrei um filme pornô gay no quarto dele e só então comecei a desconfiar de verdade. Após alguns dias, ele me contou. Estava deitada no sofá e meu pai cruzou a porta todo estressado. Acho que queria pedir um conselho e, como não tinha mais ninguém em casa a não ser eu, resolveu contar a verdade. Disse que era homossexual desde os 15 anos e que sofreu muito preconceito. Que essa vida era muito difícil e um dia, em uma tentativa de ser 'normal', encontrou minha mãe e me fez. Eu fiquei surpresa, mas nem tive tempo de raciocinar. Meu pai mal terminou de contar e veio me pedir conselhos sobre o namorado. Mesmo chocada, dei minha opinião. No dia seguinte, fiquei com muita vergonha. Quando ele passava ou falava comigo, eu ficava sem graça. Tinha a esperança de que não fosse verdade, mas comecei a reparar nas amizades dele: todos eram gays! No começo, foi estranho, mas aos poucos me acostumei. Às vezes acho difícil agüentar as piadas, mas não me sinto humilhada. Hoje, sou sua conselheira afetiva."
"Me dei conta de tudo aos 6 anos"
Ramon, 18 anos, São Gonçalo (RJ)
"Desde que nasci, fui criado por minha mãe e outra mulher. Inconscientemente, percebia que elas eram um casal - elas dormiam juntas, por exemplo. Isso ficou matutando na minha cabeça. Eu tinha 6 anos e não lembro nitidamente como foi, mas me lembro de deitar na cama junto com minha mãe e sua companheira e perguntar.Minha reação à resposta foi natural, até porque nem tinha muito contato com o 'mundo hétero'. Hoje tenho um ótimo relacionamento com minha mãe, mas não é porque ela é homossexual que vou sair contando. Quando algum amigo descobre, eu explico. Na real, as pessoas reagem tão naturalmente que até me impressionam."