Há alguns anos atrás eu precisei contratar um funcionário para cuidar do escritório. Era uma vaga para um auxiliar de serviços gerais que cuidasse do dia a dia da limpeza, da manutenção e do jardim. Então eu divulguei esta vaga entre os amigos dizendo que eu queria dar oportunidade de algum LGBT assumir esta vaga. Disse que não havia problema ser alguém sem experiência e nem alguém que fosse efeminado ou até mesmo trans.
Eramos uma empresa que estava iniciando, este seria o segundo funcionário da empresa - a primeira era a secretária contratada dois anos antes. E contratar uma pessoa abertamente gay fazia parte da minha "militância de formiguinha" (o blog tb é parte disto).
Mas havia mais razões, e uma delas é que
eu sei que os gays efeminados sofrem mais preconceito!
Primeiro: para as pessoas que são mais "bandeirosas" o preconceito na escola muita vezes as afasta dos bancos escolares... se for uma garoto ou garota trans fica mais dificil ainda. Sem escola, sem estudo, sem educação formal... começa o ciclo de exclusão do mercado de trabalho.
Sem estudo sobram os cargos menos qualificados - onde o preconceito é maior ainda (todas as pesquisas dizem que pessoas com menos instrução tendem a ser mais preconceituosas não é?). Ou seja, nem para estes cargos menos qualificados são contratados, porque os contratantes não querem este tipo de problema na empresa, nas equipes.
Hoje em dia penso que as coisas estão um pouco melhores, existem áreas que dão muitas oportunidades para homossexuais, As empresas de telemarketing por exemplo, são o primeiros emprego de muitos jovens gays, mas ainda com salários baixos, com poucas chances de crescimento porque as pessoas continuam não muito dispostas a darem oportunidades para as "pintosas".
Me parece que para as mulheres que são mais "masculinas" este problema é um pouco menor, ao que parece as "bichinhas" incomodam mais, mas com certeza outras pessoas perdem oportunidades de emprego por conta do jeito que são. Aliás, eu até já vi mulheres lindas dizerem que sofrem preconceito justamente por serem bonitas - principalmente as pessoas achando que elas não podem ser inteligentes e que só tem bons cargos em função da beleza...
Divulguei a vaga e ai apareceu o R! Indicado por uma amiga lésbica. Ele tinha 36 anos e nunca tinha trabalhado com carteira assinada. Tinha feito até a metade do ensino médio porque os pais nunca estimularam ele a enfrentar o preconceito na escola e ele acabou desistindo. O pai dele abandonou a familia e a mãe ficou doente, ele passou anos cuidando da mãe até ela morrer. Quando a mãe morreu ele foi cuidar de uma tia velhinha durante quase 10 anos, e ela tinha morrido no começo do ano. Naquele momento ele morava "de favor" na casa de um conhecido que o acolheu, dormia no terraço envidraçado, cujas janelas tinham sido fechadas com jornal para conter a claridade. Ele não era um rapaz bonito, usava cabelos longos.. e para ilustrar o quanto ele estava ligado em seu lado feminino, eu vou te contar que a primeira coisa que ele comprou com seu primeiro salário que recebeu conosco foi... um vestido verde de paetês que fez questão de mostrar para a gente as fotos...Além disto o R tinha uma grave perda auditiva, em função de uma doença de infância.
Me diz quem contrataria o R? Sem qualificação, sem referências e bichinha de voz de "taquara rachada"?
Não quero aplausos nem parabéns por isto, como disse nao era nenhum cargo maravilhoso, era um salario um pouco maior que um salário minimo. Tenho certeza que vários de vocês fazem coisas parecidas, só estou contando a estória para ilustrar a questão do preconceito, para conversar.
Ele era muito prestativo, preocupado em acertar, em aprender, muito carinhoso e amável com todos ele era membro da equipe...apesar de que do ponto de vista de manutenção ele era uma negação - a "bicha" tinha mêdo de furadeira! rsrsr.
Ele ficou conosco quase dois anos, foi quando mudamos da casa que utilizávamos para um conjunto num predio comercial, e precisamos mandar ele embora pois, sem jardim e sem área externa não justificava mais sua função. Mas o melhor foi o que aconteceu depois...
Como ele tinha este problema auditivo orientei ele a buscar um emprego dentro da política de cotas - afinal de contas ele já não tinha mais "carteira em branco" e tinha uma bela carta de referencias nossa. Ele conseguiu emprego para trabahar num grande escritório de advocacia - conseguido por uma cliente nossa, pois contamos para todos que estavamos procurando trabalho para ele - começou trabalhando no arquivo, depois foi promovido a "separador de processos", depois foi promovido a "acompanhador de advogados nas audiências".... e o que mais o divertia era ter que vestir "terno" para ir ao forum... ele dizia que se vestia de "hominho"!
Ou seja, é um cara competente e está galgando seu futuro.. hoje mora em seu apartamento e da ultima vez que falei com ele, soube que tinha "acolhido" em sua casa uma pessoa transgenero que estava com dificuldades...O nome deste jogo é oportunidade! Ou seria CORRENTE DO BEM?
Talvez vc tenha achado meu texto preconceituoso, por usar termos como "efeminados", "pintosas", "masculinizadas", achando tudo isto uma bobagem relacionada ao gênero... Mas eu realmente não achei um outro jeito de abordar o assunto...
Só para pontuar e ilustrar...o nosso querido R, com dinheiro da rescisão na nossa empresa, comprou um lindo vestido... de noiva... o que não deixa de ser muito divertido nao é?
E você? Já sofreu preconceito por dar "pinta" no trabalho? Como resolver isto?