30 de março de 2006

Pobres podem ter filhos?

Sei que o assunto pode parecer estranho, e até constrangedor, mas é uma reflexão que ás vezes me ocorre quando vejo certas criticas aos processos legais de adoção.
Para ler isto não esqueça que eu mesmo sou pai adotivo, ou seja, sou totalmente favorável á adoção como uma forma legitima de paternidade e maternidade. Mas vamos ao assunto espinhoso:
Sempre que ouço falar em adoção o mote é o mesmo, que as adoções devem ser agilizadas porque “a criança vai estar muito melhor que a nova família que tem mais condições que a família, ou mãe, biológica”.
Obviamente, neste argumento, as pessoas embutem, acesso á escola, que eles acham que a família de origem não vai se preocupar em fazer, mesmo numa escola publica; acesso á saúde, uma vez que as pessoas supõem que poder oferecer um convênio é muito melhor do que submeter a criança a um serviço publico de saúde,e também acesso a roupas, brinquedos, e uma família mais estruturada e suportiva.

Mas, reflita comigo, se usarmos como regra o argumento “a nova família tem mais condições que a antiga” passaremos a ter muitas crianças disponíveis para adoção. Muitas famílias urbanas, mesmo as mais simples, podem oferecer melhores condições (leia-se acesso á saúde e a educação) do que uma família num pequeno núcleo rural no interior do Piauí, onde a escola (publica e de baixa qualidade) está há muitos quilômetros de distância.
Está então legitimado que, em função deste argumento, 1 ou 2 dos sete filhos desta família do Piauí podem ser retirados e entregues á adoção – porque afinal de contas a mãe foi uma irresponsável em ter tantos filhos se não ia ter condições de cuidar deles – e esta nova família terá mais condições de criar melhor esta criança que a família de origem.

A adoção passa a ser então, encarada como solução das mazelas sociais do país, é isto? Este deve ser o objetivo da adoção?

Siga o raciocínio: pessoas que moram em favelas não devem ter filhos pois as crianças crescerão num ambiente de pobreza, em ambiente que as entidades sociais chamam “de risco”. Sse insistirem em ter filhos eles devem ser entregues para outras famílias “que terão melhores condições de cria-los”
Siga mais este, crianças nascidas em tribos indígenas devem ser entregues para famílias que moram nas cidades, pois nestas tribos elas não terão acesso á escola (crescerão ignorantes, sem saber por exemplo que foi Cabral quem descobriu o Brasil), nem irão aprender nada com a TV, e não terão acesso á saúde disponível nos hospitais (inclusive públicos) dos grandes centros.
Quer seguir mais raciocínios de crianças que devem ser entregues á adoção? Siga as crianças filhas de ciganos, de famílias acampadas dos movimentos sem terra, das famílias que moram em circos, também vamos resgatar as crianças que moram com seus pais em pequenas vilas de pescadores, de casais separados, de mães solteiras, de mães adolescentes, e, é obvio, de pais e mães que se descobrem homossexuais depois de terem filhos, será muito melhor para estas crianças que sejam criadas por outras famílias, que oferecerão melhores condições de vida...

Peguei pesado? Estou exagerando? Não estou não! Só que é difícil pensar nisto, é mais comum pensar nas pessoas que querem muito ter filhos versus as pessoas que julgamos não terem condições ou responsabilidades de criar filhos.

Mas será que aquela mãe que quer doar seu bebê, porque não se sente em condições de levar este projeto adiante, se tivesse um pequeno apoio não conseguiria mudar esta situação? Às vezes um emprego, ás vezes um psicólogo, ás vezes uma clinica de desintoxicação, ás vezes o apoio da família que ela não tem condições (muitas vezes financeiras) de ir procurar?

Dá para aquela pessoa que está adotando “á brasileira”, sem nenhum estudo ou acompanhamento de assistente social ou psicólogo, dizer que aquilo realmente é o melhor para a criança? Quem é que tentou ajudar esta mãe a ficar com a criança? Quem procurou outros parentes desta mãe biológica para propor que eles fiquem com a criança?

E quem pode te dizer que a família não está querendo um filho pelos “motivos errados”? Quais são os motivos errados? Lembro de uma dúzia deles bem fácil...Um filho para salvar um casamento, um filho para prender um marido, um filho para arranjar um irmãozinho para o outro filho brincar, um filho para “fazer bonito” para a sociedade, um filho para ser “normal”, um filho porque tem raiva de não conseguir engravidar, um filho para ter para quem deixar seus bens, um filho para ter alguém para cuidar de si na velhice, e até, se facilitarmos muito a adoção sem nenhum critério legal, filhos para receber o bolsa família e até filhos para serem levados e vendidos no exterior – e não fique horrorizado com isto! Isto acontece!
Ter filhos por motivos errados...e não pensem que as pessoas não tem filhos, biológicos inclusive, por estes motivos...

Quem sabe se a criança adotada sem os cuidados (morosos, enrolados, demorados, impessoais) que o judiciário toma serão realmente mais felizes? Concordar que o judiciário e os sistemas de abrigo e colocação de crianças em lares substitutos são falhos e lentos eu concordo! Mas deixar ao encargo de duas ou três pessoas decidirem isto sozinhas, sem experiência e sem nenhum critério técnico...não está certo.

Não fiquem chateados com estes argumentos, não sou psicólogo, não sou juiz, não sou assistente social, só sou um pai que acredita muito na adoção, mas eu acredito que a maneira certa de fazer isto é ter como foco a criança, o futuro da criança, e não sei se uma “tiazinha” de muita boa vontade e cheia de amor no coração, que acha uma família para uma criança de uma moça desesperada, é a pessoa certa para julgar e decidir isto.
Além do que, ter condições ou não de poder dar mais facilidades materiais para uma criança não é o melhor argumento, nem autoriza ninguém a” pegar o filho do outro para criar”, mesmo com muito amor no coração!

Desculpem , é o que penso! E você, concorda com estes argumentos?

8 comentários:

  1. Nossa adorei esse post! Você não teve medo de usar os argumentos, ainda que eles pareçam "pesados" ou caminhem contra o senso comum... Muito legal! A questão financeira sempre pesa, e as pessoas não gostam de pensar muito nessas coisas que você falou. Ficam parecendo "firulas" para a pessoa que tem preguiça de pensar. Se a gente for olhar na história e ver como governos promoveram esterilizações, e coisas assim, veremos que isso que você fala não é nada fantasioso.

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  2. Anônimo11:51 AM

    PARECIA, EM DETERMINADOS MOMENTOS, UMA RESOLUÇÃO DE UM PAÍS COMUNISTA OU DA ALEMANHA NAZISTA: OS FILHOS SEREM TOMADOS DE FAMÍLIAS QUE NÃO SE ENCAIXEM NO "PADRÃO" IDEAL. NÃO É PRA SER ASSIM, NÃO. CONCORDO, QUEM SABE DAR MAIS CONDIÇÕES, APOIO E INCENTIVO A ALGUMAS FAMÍLIAS SERIA UM MODO DE EVITAR TANTAS CRIANÇAS ESPERANDO UMA ADOÇÃO. AH, MAS ANTES DISSO: EDUCAÇÃO, CONDIÇÕES BÁSICAS DE VIDA E CAMPANHAS DE CONTROLE DA NATALIDADE SIM, POIS "AQUELA MÃE QUE TEM SETE FILHOS, LÁ DO PIAUÍ" É REALIDADE EM NOSSO PAÍS. TEM SETE QUANDO, POR SUAS CONDIÇÕES, DEVERIA TER 2. MAIS INFORMAÇÃO POSSIBILITARIA A ESSA MÃE E A ESSE PAI CONSEGUIREM PLANEJAR MELHOR SUAS VIDAS E A DE SEUS FILHOS.

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  3. Ah, odiar café com leite? Você é que precisa ir pro Pinel hahahahaha Mas eu te faço cia lá, não bato muito bem mesmo hehehe abs!

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  4. Obrigado pelos coments em meu blog, gostei muito dos assuntos q vc discute aqui, quanto a adoção é um assunto polêmico, mas como vc mesmo diz só a vontade de adotar não é o suficiente, tem q ser avaliado outros aspectos aí. Grande abraço

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  5. Não há como discordar, tudo o que você falou está certo. Não existe uma "verdade", não existe a maneira "correta" de criar uma criança. Então como julgar? Como selecionar os pais adotivos? Quem pode dizer o que é melhor ou pior para uma criança em última instância? Um juiz? Será?

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  6. Eu concordo basicamente com você, mas eu realmente acho que famílias muito pobres deveriam pensar muito antes de colocar filhos no mundo, infelizmente é realidade, no Brasil uma criança crescida na pobreza é muito limitada, se fosse em outro país onde a educação e a saúde públicas fossem razoáveis, tudo bem, mas aqui??
    Acho sim que todos têm o direito de criarem seus filhos, mas se for com responsabilidade! Não para largar no meio da rua pedindo esmola, ou pra espancar, etc. Eu gostaria muito de ser responsável por uma ONG, por exemplo, que ajudasse mulheres a ficar com seus bebês, oferecendo ajuda psicologica e emprego... claro, com certeza! Mas existem mães que não querem mesmo aquele filho, tenho um casal de amigas que acabaram de adotar um bebê, elas entraram em contato direto com a mãe, a adoção foi legal sim, mas sem taaaanta burocracia... o bebê era fruto de uma traição e a mãe não o queria, pois queria voltar para o marido e esse aceitaria ela de volta apenas sem a criança. Agora, me fale, vale a pena fazer essa criança crescer em abrigos (onde muitas vezes elas são muito maltratadas, diga-se de passagem) para convencer a mãe que ela deve ficar com o filho? Foi uma decisão dela, é um direito dela... aqui no Brasil esse processo de "tentar convencer" a mãe biológica a ficar com seu filho é tão longo que muitas vezes a mãe acaba aceitando, também por culpas "religiosas" (pois a igreja também se incumbe de convencer a mãe de que ela DEVE criar seu filho) e aí vai criar uma criança de qualquer jeito, sem estrutura, sem amor (pois ela NÃO queria esse filho), sem carinho, sem educação...
    Quero deixar bem claro: sou contra deixar crianças com pais que não vão dar AMOR, CARINHO e educação (mas a educação que aprendemos em CASA, não a da escola). E, muitas vezes, até por amor, uma mãe quer dar seu filho para que tenha boas escolas, etc... ñ é um direito dela??? Se eu fosse dar um filho para adoção, eu ia querer escolher a família, sinceramente, ñ iria confiar no governo pra isso, pois não boto fé no governo brasileiro.
    Enfim, independente de pobre ou rico, quem não tem amor pra dar, que não tenha filhos! E ponto final!

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  7. é um assunto polêmico, mas você colocou os argumentos muito bem. eu nunca tive certeza absoluta se deveria ter outro filho, então na dúvida, não tive. sei que muitas não podem fazer essa escolha da maneira como fiz, mas acredito que há uma grande parcela que gostaria de ficar com seus filhos se tivessem algum tipo de apoio. gostei muito do texto, você parece ser alguém que viveu a situação a fundo e não apenas um "curioso". bj

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  8. Anônimo9:16 PM

    A questão não é se pobre pode ou não ter filhos, embora este seja um fator que conta muito, mas o mais importante é saber se o meio no qual o filho estará inserido é passível de proporcioná-lo felicidade e bem estar.
    Se pôr o filho em um mundo globalizado, poluído, desmatado, com crescente produção de alimentos transgêncicos, saúde caríssima e sociedade antiética, vale à pena, eu não sei se é cabível tanto para o pobre quanto para o rico.

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